Ouvistes o que foi recomendado aos
antigos: “Não matarás” e “quem matar, estará sujeito a julgamento”. Eu, porém,
vos digo que quem quer que se encha de cólera contra seu irmão, estará sujeito
a julgamento; que aquele que disser a seu irmão: ‘Raca’, estará condenado pelo
tribunal; e que aquele que lhe disser: ‘És louco’, merecerá condenação ao fogo
do inferno. (Mateus, 5:21 e 22.)
Sentenciando: Ouvistes o que foi recomendado aos antigos, Jesus refere-se às
escrituras sagradas do Judaísmo, para citar determinado trecho que irá abordar.
Em seguida, usando outra expressão: Eu,
porém, vos digo, enunciava ensinos que alterariam substancialmente
conceitos temporais superados pela sua moral ou dar-lhes-ia um alcance maior,
oferecendo ao homem uma visão mais clara de si mesmo e uma responsabilidade
mais bem definida em relação ao semelhante.
Aqui
Jesus ensina que cometemos falta, não apenas quando matamos alguém, mas também
quando nos encolerizamos contra o próximo, quando colocamos em dúvida sua
sanidade mental ou quando o desprezamos, o que os judeus faziam pronunciando a
palavra raca – que significava homem
sem nenhum valor –, e enunciavam-na cuspindo de lado para deixar bem claro que
a pessoa não merecia nenhuma consideração.
Embora
fora do alcance da justiça humana, esse tipo de comportamento é de uma violência
arrasadora, capaz de matar, na vítima, o
bom humor, a coragem, a alegria, a estabilidade íntima. Há indivíduos tão
agressivos que conseguem aniquilar nas pessoas a própria vontade de viver.
Por
isso, sempre que a nossa palavra se transformar em estilete agudo, contundente,
a ferir o semelhante, estaremos enquadrados como matadores do sossego alheio,
a nos impor estágios depuradores de inquietação e angústia em penitenciárias
interiores, situadas em nossa própria consciência.
Há
quem diga: – Quando me exaspero com alguém é porque já me aborreceu ou
prejudicou tanto, que feriu mortalmente minha paciência.
Semelhante
raciocínio revela total desconhecimento dos princípios evangélicos. Segundo
Jesus, a base fundamental de nossa estabilidade íntima não é o que os outros
nos fazem, mas o que fazemos aos outros. O mal atirado em nossa direção somente
nos atingirá na proporção em que lhe oferecermos guarida e nos propusermos a
usá-lo em revide.
Se
alguém nos remete uma bomba pelo correio e soubermos qual o conteúdo do
pacote, seremos tolos se nos dispusermos a abri-lo. O mesmo acontece com as
injúrias que nos fazem. São bombas perigosas, capazes de colocar em risco nossa
própria saúde. Por que recebê-las, reagindo negativamente? A atitude mais
acertada é a compreensão. Se procurarmos ver no remetente alguém certamente
perturbado por problemas e desajustes que lhe inspiram tal agressividade,
teremos condições para desativar a bomba, preservando o próprio equilíbrio.
Num
congestionamento de tráfego, provocado por desarranjo em veículo à frente,
será inútil ficarmos buzinando impacientes. Melhor será ajudar o motorista a
resolver seu problema para que possamos prosseguir a viagem. O mesmo acontece
no relacionamento humano. Não raro as pessoas atravessam nosso caminho,
estacionadas na perturbação, trazendo-nos constrangimento e mágoa. Não adianta
fazer soar buzinas de irritação. É fundamental usemos de compreensão e nos
disponhamos a deixar o carro do melindre e do ressentimento, tratando de ajudar
o companheiro, a fim de que nos libertemos.
Toda
moral evangélica se funda num ponto essencial: nossa felicidade está
subordinada não ao que recebemos, mas ao que damos. Aqueles que justificam sua
agressividade, sua impaciência, seus desajustes, atribuindo-os ao
comportamento alheio, ainda não aprenderam nem apreenderam nada do Evangelho.
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