quinta-feira, 24 de julho de 2014

O FATOR HUMANO - por Richard Simonetti

Sinval impressionara-se com a morte de Antonio, um trombadinha de treze anos, nas proximidades de sua casa. Fora baleado pela polícia após um assalto.

Na reunião mediúnica do Centro que frequentava indagou ao mentor quanto à possibilidade de conversar com o protetor espiritual do morto. Solicitação atendida, em breves momentos manifestava-se Bento que, após as saudações iniciais, dispôs-se a responder às indagações de Sinval.

– Antonio veio para existência breve?

– A intenção era situá-lo por aproximadamente seis decênios na carne.

– Poderia nos dizer sobre o planejamento feito em seu benefício?

– Não houve possibilidade de ampla planificação para as experiências terrestres de Antonio, por faltar-lhe a disciplina e o discernimento necessários para assumir compromissos. Enfrentamos muitas dificuldades, a começar com Rita, sua mãe. Trabalhamos durante meses com ela, pelos condutos da inspiração, buscando demovê-la da ideia de abortar. Se não queria o filho, que o entregasse a um casal que pudesse adotá-lo.

– Já havia uma escolha quanto aos pais adotivos?

– Seriam Gaudêncio e Nádia, companheiros de Antonio em existências anteriores. A condição de filho adotivo ser-lhe-ia preciosa experiência.

– E como foi o encontro?

– Logo após o nascimento do menino guiamos os passos de Rita até o lar escolhido, em cuja porta o dei­xou. Suavemente envolvidos por nossa influência, Gaudêncio e Nádia emocionaram-se com o recém-nas­cido e cogitaram imediatamente da adoção, contando com entusiasmado apoio dos dois filhos. Contudo...

– Houve problemas?

– Simplesmente desistiram, empolgados por varia­das dúvidas, a considerarem que um novo filho repre­sentaria mais trabalho, maiores responsabilidades... Du­rante anos tentamos localizá-lo em outro lar. Sabíamos que sem uma família disposta a ampará-lo ele teria difi­culdades para superar suas fraquezas. Imaturo, seria ten­tado a resolver seus problemas partindo para a delinquência. Foi exatamente o que aconteceu, desde os nove anos quando fugiu do orfanato onde fora internado.

Sinval ouvia comovido a narrativa. Várias inda­gações fervilhavam em sua mente.

– Poderíamos dizer que a equipe que trabalhou em favor de Antonio, da qual o irmão participa, agiu como instrumento de Deus?

– Sempre que nos propomos ao exercício do Bem e o fazemos de maneira consciente e disciplinada, o Senhor nos tem por preciosos auxiliares.

– Assim sendo, era da vontade de Deus a adoção por parte de Gaudêncio e Nádia?

– Sem dúvida.

– Por que, então, não deu certo?

– Deus nos outorgou o livre-arbítrio, afim de que se­jamos responsáveis por nossos atos e donos de nossa vi­da. Por isso, o cumprimento dos desígnios divinos, na la­voura do Bem, depende da boa vontade dos homens.

– Isso significa que em todo planejamento da Espiritualidade Maior nesse sentido, há que se considerar o fa­tor humano?

– Sim, e reside o grande problema, porquanto os homens sensibilizam-se ante os apelos da Divindade, mas se deixam seduzir por suas próprias vacilações. Pro­clama velho aforismo que o homem propõe e Deus dis­põe; no entanto, em relação às iniciativas mais nobres, não raro ocorre o inverso: Deus propõe e o homem dis­põe, recusando-se a cumprir as diretrizes do Alto.

– É frequente o descumprimento da Vontade Divi­na em relação às crianças que nascem na Terra?

– Para saber exatamente basta calcular a quantidade de menores com problemas semelhantes aos de Anto­nio. Toda criança abandonada exprime o fator huma­no, à distância dos programas de Deus.

– E quanto a Antonio?

– No momento experimenta grande turvação men­tal, em instituição socorrista da Espiritualidade. Oportu­namente tentaremos nova experiência para ele na carne, buscando sensibilizar almas generosas que se dispo­nham a ajudá-lo...

O mentor despediu-se, enquanto Sinval ficava a meditar como é difícil cogitar das iniciativas divinas em favor dos homens, enquanto cada homem estiver interessado em seu próprio bem-esta 

Ao abrigo da jornada terrestre, atendendo a cuidadosas diretrizes de mentores espirituais, cruzamos com companhei­ros de experiências passadas que hoje nos são confiados para trabalhos redentores.

Um filho inesperadamente concebido, uma criança para adoção, o familiar ao desamparo, o amigo em dificuldade...

Se não estivermos atentos, cérebro iluminado pela reflexão, coração aquecido pela fraternidade, deixaremos passar o ensejo de ajudar, com perda preciosa de tempo.

E acrescentaremos débitos a nossa conta existencial na medida em que, por falta de nosso apoio, desviem-se dos roteiros do Bem aqueles aos quais nos competia amparar.

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