Sinval impressionara-se com a morte de Antonio,
um trombadinha de treze anos, nas
proximidades de sua casa. Fora baleado pela polícia após um assalto.
Na reunião mediúnica do Centro que frequentava
indagou ao mentor quanto à possibilidade de conversar com o protetor espiritual
do morto. Solicitação atendida, em breves momentos manifestava-se Bento que,
após as saudações iniciais, dispôs-se a responder às indagações de Sinval.
– Antonio veio para existência breve?
– A intenção era situá-lo por aproximadamente
seis decênios na carne.
– Poderia nos dizer sobre o planejamento feito em
seu benefício?
– Não houve possibilidade de ampla planificação
para as experiências terrestres de Antonio, por faltar-lhe a disciplina e o
discernimento necessários para assumir compromissos. Enfrentamos muitas
dificuldades, a começar com Rita, sua mãe. Trabalhamos durante meses com ela,
pelos condutos da inspiração, buscando demovê-la da ideia de abortar. Se não
queria o filho, que o entregasse a um casal que pudesse adotá-lo.
– Já havia uma escolha quanto aos pais adotivos?
– Seriam Gaudêncio e Nádia, companheiros de
Antonio em existências anteriores. A condição de filho adotivo ser-lhe-ia
preciosa experiência.
– E como foi o encontro?
– Logo após o nascimento do menino guiamos os passos
de Rita até o lar
escolhido, em cuja porta o deixou. Suavemente envolvidos por nossa influência,
Gaudêncio e Nádia emocionaram-se com o recém-nascido e cogitaram imediatamente
da adoção, contando com entusiasmado apoio dos dois filhos. Contudo...
– Houve problemas?
– Simplesmente desistiram, empolgados por variadas
dúvidas, a considerarem que um novo filho representaria mais trabalho, maiores
responsabilidades... Durante anos tentamos localizá-lo em outro lar. Sabíamos
que sem uma família disposta a ampará-lo ele teria dificuldades para superar
suas fraquezas. Imaturo, seria tentado a resolver seus problemas partindo para
a delinquência. Foi exatamente o que aconteceu, desde os nove anos quando fugiu
do orfanato onde fora internado.
Sinval ouvia comovido a narrativa. Várias indagações
fervilhavam em sua mente.
– Poderíamos dizer que a equipe que trabalhou em
favor de Antonio, da qual o irmão participa, agiu como instrumento de Deus?
– Sempre que nos propomos ao exercício do Bem e o
fazemos de maneira consciente e disciplinada, o Senhor nos tem por preciosos
auxiliares.
– Assim sendo, era da vontade de Deus a adoção
por parte de Gaudêncio e Nádia?
– Sem dúvida.
– Por que, então, não deu certo?
– Deus nos outorgou o livre-arbítrio, afim de que
sejamos responsáveis por nossos atos e donos de nossa vida. Por isso, o
cumprimento dos desígnios divinos, na lavoura do Bem, depende da boa vontade
dos homens.
– Isso significa que em todo planejamento da
Espiritualidade Maior nesse sentido, há que se considerar o fator humano?
– Sim, e aí reside o
grande problema, porquanto os homens sensibilizam-se ante os apelos da
Divindade, mas se deixam seduzir por suas próprias vacilações. Proclama velho
aforismo que o homem propõe e Deus dispõe;
no entanto, em relação às iniciativas mais nobres, não raro ocorre o inverso:
Deus propõe e o homem dispõe, recusando-se a cumprir as diretrizes do Alto.
– É frequente o descumprimento da Vontade Divina
em relação às crianças que nascem na Terra?
– Para saber exatamente basta calcular a
quantidade de menores com problemas semelhantes aos de Antonio. Toda criança
abandonada exprime o fator humano, à
distância dos programas de Deus.
– E quanto a Antonio?
– No momento experimenta grande turvação mental,
em instituição socorrista da Espiritualidade. Oportunamente tentaremos nova
experiência para ele na carne, buscando sensibilizar almas generosas que se
disponham a ajudá-lo...
O
mentor despediu-se,
enquanto Sinval ficava a meditar como é difícil cogitar das iniciativas divinas
em favor dos homens, enquanto cada homem estiver interessado em seu próprio bem-esta
Ao abrigo da jornada
terrestre, atendendo a cuidadosas diretrizes de mentores espirituais, cruzamos
com companheiros de experiências passadas que hoje nos são confiados para
trabalhos redentores.
Um filho
inesperadamente concebido, uma criança para adoção, o familiar ao desamparo, o amigo
em dificuldade...
Se não estivermos
atentos, cérebro iluminado pela reflexão, coração aquecido pela fraternidade,
deixaremos passar o ensejo de ajudar, com perda preciosa de tempo.
E acrescentaremos
débitos a nossa conta existencial na medida em que, por falta de nosso apoio,
desviem-se dos roteiros do Bem aqueles aos quais nos competia amparar.
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