terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Dia da saudade – Orson Peter Carrara

                O dia 30 de janeiro é conhecido como o Dia da Saudade! A palavra, por si só, já propõe pensar em tanta lembrança que é quase impossível destacar esta ou aquela.
                Na verdade, quem ama sente saudade. Pode ser de uma música, de um ser amado distante ou ausente, de uma paisagem, de uma convivência, de uma circunstância... Ah!, há tanto para lembrar e sentir aquele sentimento agradável que é a saudade.
                O que é que o leitor tem saudade? O que gostaria de reviver, quem gostaria de encontrar novamente, onde gostaria de ir outra vez?
                São os detalhes da saudade!
                Diante dos destrambelhos da atualidade, com a corrupção galopante e teimosa, parece que a saudade dói, aumenta mais. Afinal, o que estamos assistindo, nos abusos vários que imperam na sociedade, faz voltar a mente ao conforto de tempos que se foram onde havia mais respeito pela civilidade, pela soberania nacional, pela educação.
                Mas não nos impressionemos. Este tumulto generalizado é apenas um processo necessário para colocar a casa em ordem novamente. Isso tudo vai passar. As ilusões a que se entregam os que se satisfazem na vaidade, no abuso do poder, nas tentações e ilusões passageiras da comodidade material, sem outras preocupações e providências em favor da vida coletiva – esquecidos de nossa real natureza imortal que vai sobreviver no tempo e terá encontro inevitável com a própria consciência – são tão efêmeras, tão frágeis, que os esforços para tentar segurá-las serão todos infrutíferos, pois o tempo marcha incessante, indiferente à nossa postura e às nossas escolhas.
                O que estamos vivendo, na intensa desorganização social, requer uma postura de firmeza moral. Não nos deixemos impregnar por essa onda de pessimismo e abandono. Essa onda de abandono e desorganização, de indiferença e descrença também é uma grande ilusão. Ela é criada pela descrença daqueles que desconhecem ou desprezam que há um poder que governa a vida. Por egoísmo, muitos de nós, os humanos, nos deixamos iludir pelo desejo de poder, pela ambição desmedida e nos entregamos a essa loucura socialilusória que se generaliza.
                Mas aqueles que somos ou não cristãos, guardando fé e confiança na vida – diga-se Deus –, devemos exercitar a resignação diante das adversidades, erguermo-nos na coragem e na fé, mantendo a dignidade da firme postura moral, pois estes são os valores que vão nos amparar nesses momentos de transição e difíceis da atualidade, que, repita-se, vão passar.
                Nada, pois, de medo, desespero, revolta. O momento é de fortaleza moral, conectando-nos a Deus com a confiança de quem sabe esperar.
                E já que estamos lembrando o dia da saudade, busquemos também os bons momentos e recordações saudáveis que todos trazemos que, aliados à resoluta posição de seguir adiante, sejam elementos impulsionadores da alegria e da confiança em Deus!

                O que desejamos ao leitor é que prossiga confiante. Prossigamos, eu meu incluo, óbvio!          

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Falta de sensibilidade– Orson Peter Carrara

O escritor Rubem Alves (www.rubemalves.com.br) publicou no Correio Popular, de Campinas, caderno C, página C-2, de 18 de julho de 2004, uma bela crônica intitulada O que é que você faria? Considerei-a muito oportuna. Embora longa (quase uma página), destaco ao leitor o teor principal. Ele traz uma estória no artigo e usa um exemplo médico, desculpando-se pela comparação, para citar como é importante a maneira de dizer as coisas ou se quisermos, como dizemos e a quem. Pois esta maneira pode destruir vidas e sonhos.
            A história citada pelo escritor comenta o relacionamento de um casal que muito se ama. Ela desenvolveu um câncer no seio e teve que extraí-lo, mas isso não abalou o relacionamento do casal, apesar das dores e aflições. Em cinco anos, o outro seio também foi afetado, mas o bom e amigo médico que antes a atendera já havia morrido.
            Procuraram outro médico, mas este, completamente insensível às dores do casal e especialmente da mulher, ao vê-la sem um seio, já exclamou friamente: “Mas a senhora já não tem um seio... Seu caso é muito mais grave do que eu imaginava”.
            E o escritor, comentando a própria estória, colocou em seu texto: “Fico a me perguntar. Por que é que ele falou o que falou? Não falou para informar mulher e marido de uma coisa que não soubessem. Eles sabiam que ela não tinha um seio. Também não falou para certificar-se de algo que estava vendo mas não via bem, por ser ruim dos olhos, pois ele enxergava muito bem. E qual a razão do seu frio, imediato e cruel diagnóstico. Para que falou isso? Era necessário? Não, não era necessário. Seu diagnóstico em nada contribuiu para o tratamento daquela mulher. Ou será que ele falou assim por inocência? Não imaginava o veneno que suas palavras carregavam? Não imaginava o efeito de suas palavras sobre aquela mulher despida, sem um seio, humilhada, amedrontada. Se falou por inocência digo que o dito médico só pode ser um idiota que nada conhece sobre os seres humanos”
            E continua: “Crueldade não é algo que somente existe nas câmaras de tortura. Ela se faz também com palavras. Há palavras cruéis que apagam a tênue chama da esperança. (...)” E pergunta em seguida: “(...) qual é o lugar, nos currículos de medicina, onde tanta coisa complicada se ensina, para uma meditação sobre a compaixão? É na compaixão que a ética se inicia e não nos livros de ética médica. Ah! Dirão os responsáveis pelos currículos – compaixão não é coisa científica. Não entra na descrição dos casos clínicos. Não pode ser comunicada em congressos. Portanto, não tem dignidade acadêmica. Certo. Mas acontece que não somos automóveis a serem consertados por mecânicos competentes. Somos seres humanos. Amamos a vida, queremos viver. Sofremos de dores físicas e de dores da alma: o medo, a solidão, a impotência, a morte. O que esse médico fez não tem conserto. Uma vez feito a ferida sangra. Palavras não podem ser recolhidas. O sofrimento foi plantado.(...)”
            E como indagou o autor em seu texto, deixo a pergunta para nós mesmos: o que é que faríamos na mesma situação? Claro que não especificamente como médico, pois o exemplo se aplica a qualquer outra ocorrência de relacionamentos humanos.

A situação traz à lembrança o capítulo X de O Evangelho Segundo o Espiritismo, intitulado Bem-aventurados os misericordiosos. No subtítulo O argueiro e a trave no olho, em lúcido texto, pondera o Codificador: “Um dos defeitos da Humanidade é ver o mal de outrem antes de ver o que está em nós. (...) Que pensaria eu se viesse alguém fazendo o que faço? Incontestavelmente é o orgulho que leva o homem a se dissimular os próprios defeitos, tanto ao moral como ao físico. Esse defeito é essencialmente contrário à caridade, porque a verdadeira caridade é modesta, simples e indulgente (...). Se o orgulho é o pai de muitos vícios, é também a negação de muitas virtudes; encontramo-lo no fundo e como móvel de quase todas as ações (...)”.
Nessa última palavra, podemos enquadrar as situações do exemplo acima, na questão médica e que pode ser transferida para qualquer outra situação, onde nos permitimos desprezar, discriminar, maltratar com palavras ou acentuar o sofrimento de alguém com nossa maneira de dizer...

Afinal, nada justifica a crueldade, ainda que em palavras.