terça-feira, 29 de julho de 2014

LIVRE-NOS DEUS - por Richard Simonetti

Qualquer estudante de sociologia sabe que a família é a célula principal da sociedade. Sua influência é decisiva na formação do indivíduo. Desajustes de comportamento costumam envolver lares desajustados. 

Desequilíbrios emocionais, vícios, violências, cada vez mais frequentes no relacionamento social guardam, quase sempre, uma história de agressividade, desrespeito e falta de amor no lar. Raros escapam aos condicionamentos do ambiente em que se situam nos primeiros anos de vida. 

No lar está a maior influência. É ali que o indivíduo passa a maior parte de seu tempo durante a infância. Estudos de comportamento demonstram que se a criança não é abraçada com frequência será um adulto incapaz de acariciar.

Se não é amada experimentará problemas para exercitar amor.

Se cresce em ambiente de palavrões tenderá ao exercício de uma linguagem obscena.

Se os pais se agridem física e verbalmente terá dificuldade para superar divergências com ponderação.

O maior problema do relacionamento familiar é a razão de cada um – sua maneira de ver as coisas, sob a ótica de suas imperfeições, gerando atritos entre o homem e a mulher, pais e filhos, irmãos e irmãs.

Diz a esposa, enfezada: – Meu marido é doutor em tudo. Está sempre certo. Não admite contestações.

Enfatiza o marido – Minha mulher é muito impertinente. Gosta de confusão. Faz tempestade em copo d’água.

Reclama o filho: – Os coroas são uns quadrados. Estão totalmente por fora e querem governar minha vida.

Se todos os membros do grupo familiar julgam-se donos da verdade fica difícil sustentar uma convivência saudável. A pretensão de superioridade azeda qualquer relacionamento e desagrega a família.

Por isso Teresa D’Avila ensinava: Toda pessoa que quer ser perfeita fuja mil vezes de dizer “eu tinha razão”, “fizeram-me uma injustiça”, “não teve razão quem fez isso”.

E acentuava: De más razões livre-nos Deus.

O passo mais importante, no empenho por decifrar o enigma de nossa personalidade está no reconhecimento de que nem sempre estamos certos em nossos julgamentos.

Ao admitir que não somos infalíveis habilitamo-nos a maravilhosas iniciativas que põem água na fervura dos desentendimentos. Há expressões mágicas em favor da harmonia doméstica:

Cometi um erro.

–Você tem razão.

– Fui indelicado.

– Peço perdão.

– Prometo mudar.

Parece simples, não é mesmo, caro leitor? 

Puro engano. Quando foi a última vez que pedimos desculpas ao cônjuge, ao filho, ao genitor, por uma palavra ou um gesto desrespeitoso? Há pessoas que jamais o fazem.

Por quê? Porque as medidas de nossos raciocínios no exercício da razão chamam-se orgulho, egoísmo, inspirando-nos a olímpica ideia de que estamos sempre certos, com a prerrogativa de dizer a última palavra.

Falta, talvez, um pouco de amor para iluminar o relacionamento afetivo e nos inspirar raciocínios menos egocêntricos.

Alguém diz: – Amo minha esposa e meus filhos. No entanto, vivemos às turras.

Ocorre que amar é algo subjetivo. Não vale grande coisa se não é expresso em ações.

Conta o escritor Tom Anderson que certa feita ouviu alguém dizer que o amor deve ser exercitado como um ato da vontade. Uma pessoa pode demonstrar amor através de gestos bem simples.

Aquilo o impressionou. Admitiu que vinha sendo egoísta e que o amor familiar havia sido obscurecido por sua insensibilidade.

Não que vivessem mal, mas poderiam melhorar muito o relacionamento afetivo se, por exemplo, parasse de repreender sua esposa Evelyn e os filhos; se não ligasse a televisão no canal de seu interesse, contrariando as expectativas do grupo familiar; se deixasse de se concentrar na leitura do jornal, sem dar atenção aos familiares.

Resolveu fazer uma experiência. Durante as férias de duas semanas, em que estariam juntos na praia, faria tudo para ser um marido e um pai carinhoso.

Logo de saída beijou a esposa e disse:

– Esse suéter amarelo fica muito bem em você.

Feliz e surpresa a esposa suspirou:

– Oh! querido, você reparou!

Logo que chegaram à praia Tom pensou em descansar. Mas a esposa sugeriu que dessem um passeio pelas imediações, andando junto ao mar. 

Ia recusar, mas lembrou da promessa que fizera a si mesmo. Foi com ela, enquanto os garotos brincavam empinando papagaios.

No dia seguinte Evelyn o convidou para visitar o museu das conchas. Tom confessa que sempre detestou museus. Mas aceitou de boa vontade, surpreendendo-se depois ao constatar que havia gostado do passeio.

Numa das noites não reclamou quando a esposa demorou para se aprontar e chegaram tarde a um jantar programado.

Assim passaram-se doze dias, que Tom considerou muito felizes. Prometeu a si mesmo que continuaria com a disposição de expressar amor. Na última noite, quando se preparavam para dormir, Evelyn estava muito triste.

– Que há meu bem? Algum problema?

– Tom – disse com voz hesitante – você sabe de alguma coisa que ignoro?

– Por que pergunta isso?

– Bem, fiz aqueles exames rotineiros há duas semanas. Segundo o médico estava tudo bem. Disse algo diferente para você?

– Não querida, não disse nada. Está tudo ótimo. Por quê?

– É que está sendo tão bom para mim que imaginei estar com uma grave doença, que ia morrer...

– Não, querida – respondeu Tom sorrindo – você não está morrendo. Eu é que estou começando a viver.

Diz Pascal que o coração tem razões que a própria razão desconhece. Poderíamos interpretar de várias formas suas palavras. Fundamentalmente diríamos que toda a razão do mundo está num coração capaz de demonstrar amor.


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